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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Os Dispositivos Disciplinares da Governamentabilidade e a Biopolítica à Luz de Michel Foucault !



         O corpo das crianças nas escolas é submetido a um adestramento disciplinar, para fabricar um corpo produtivo, uma máquina de produção de riquezas, uma fonte de trabalho. Os dispositivos disciplinares esquadrinham, distribuiem o corpo, que é tratado como objeto de intervenção dos dispositivos de poder governamental. “A população vai ser o objeto que o governo deverá levar em conta nas suas observações, em seu saber, para chegar efetivamente a governar de maneira racional e refletida”. (FOUCAULT, 2008a, p. 140).
         A governamentabilidade é exercida em rede, indivíduos que circulam, em posição de serem submetidos ao poder. Poder esse que não emana apenas de uma instituição, o Estado ideal e jurídico, mas “o conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises, reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica de poder que tem como alvo principal a população”. (FOUCAULT, 2008a, p. 143) As instituições como a família, escola, hospital, universidade produzem um discurso que é entendido como verdadeiro, servem de base para a formulação de políticas públicas e interferem na maneira como os jovens são educados.
         O entendimento de que a criança, o jovem deve ser cuidado e educado por instituições educacionais autorizadas pelo Estado é recente na história da humanidade. Só a partir do séc. XVIII com a reconfiguração social da família, “a infância foi eleita como uma etapa específica e fundamental do desenvolvimento humano, demarcada por técnicas e aparatos educacionais específicos.” (SILVEIRA, 2015, p. 60) A família é uma célula social responsável por garantir cuidados especiais, e a escola é a instituição de socialização e preparação da criança para a vida adulta. Esse processo ao longo dos séculos XIX e XX produziu um conjunto de saberes sobre o desenvolvimento infantil, formulados pelas disciplinas emergentes como a psicologia, a sociologia e a assistência social. Um grande objeto de discussão foi sobre as famílias pobres, que não têm condições materiais de garantir pleno desenvolvimento humano de suas crianças, assim suscitou uma questão: Como lida com a infância pobre? A criança, o jovem e a família pobre tornam-se objetos de saber do governo, cria-se um aparato institucional em torno destas famílias para fiscalizar e intervir. Políticas públicas são concebidas para as famílias mais pobres da sociedade, um novo campo da governamentabilidade é constituído.
         No Brasil, até o final do século XIX as crianças e jovens de famílias pobres em situação de abandono circunstancial ou voluntário eram encaminhados para instituições religiosas como os orfanatos. As crianças eram educadas profissionalizadas e se inseriam nas posições mais baixas do mercado de trabalho. Havia uma disciplina rígida com o objetivo de transformar o sujeito em um adulto capaz de produzir. Já no século XX, a partir da década de 1940 o Estado cria o SAM – Serviço de Assistência ao Menor, que fiscaliza e financia a rede de instituições que cuidavam das crianças e dos jovens. Em meados da década de 1960 há uma mudança e altera a política do Estado, assim surge a FUNABEM – Fundo Nacional do Bem-Estar do Menor, com objetivo de consolidar e coordenar uma política pública de abrangência nacional. E depois surge o ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (atualizado até a Lei nº 12.796/2013, de 04 de abril de 2013). Percebe-se que as instituições de políticas públicas voltadas para a infância pobre no Brasil são novas, produzem saberes científicos sobre o público-alvo, que buscam compreender a delinquência, o abandono de crianças, os comportamentos dos menores e das famílias.
Esses estudos apontam que em torno da categoria menor e da noção de menoridade constituiu-se todo um regime tutelar composto por dispositivos de saber e intervenção, voltado para o controle disciplinar de crianças e jovens identificados como um problema governamental, seja por estarem em situação de abandono, seja por representarem um risco para o bem-estar da sociedade. O Estatuto tem como fundamento primeiro o paradigma da proteção integral, o que significa que a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos que devem ser garantidos, primeiramente, pelas famílias e, quando essas não cumprem com suas obrigações, pela sociedade e pelo governo. (SILVEIRA, 2015, p. 62 e 63)

         O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente protege os direitos humanos universais, a educação, saúde de qualidade, alimentação adequada, bem-estar social e psicológico, convivência familiar e comunitária. Proíbe o trabalho infantil, a exploração e violação sexual de crianças e adolescentes. Este é um exemplo de como se constitui a partir das reflexões de Foucault a biopolítica e as formas modernas de governamentabilidade na sociedade brasileira.
Referências:
FOUCAULT, Michel: o governo da infância / Haroldo de Resende (Organizador) – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015 – Coleção Estudos Foucaultianos)
FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. Curso no College de France (1977-78). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008a.



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