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quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Kierkegaard – O Conceito de Angústia !




CAPUT 1 – Angústia como pressuposição do pecado hereditário e como explicação de modo retroativo, na volta à sua origem, o pecado hereditário.
§4 – O conceito de queda
         A inocência é ignorância e Adão sofreu a queda porque perdeu a inocência. Pode-se dizer que a causa da queda de Adão está na sua inocência. E se a inocência é ignorância, então há uma diferença entre a inocência de Adão e a de qualquer homem posterior, que já não é mais inocente e conhece as consequências do pecado, que é a queda.
Na medida em que a culpabilidade do gênero em sua determinidade quantitativa está presente na ignorância do indivíduo, e o ato deste se mostra como culpabilidade dele. Adão é culpado por causa da queda, que se está no hábito, na irreflexão e na estupidez ética.
         Poderíamos nos esquivar da consequência lógica do pecado, que é a queda. Conformar-nos com o pedado e suportá-lo. Entendermos que somos pecadores a partir de Adão, que nos tornamos miseráveis, não entristecermos mais com o pecado.
         Mas o único inocente que entristeceu-se pelo pecado foi Cristo, não que fosse um destino ou precisava-se conformar-se, mas porque livremente decidiu carregar os pecados do mundo inteiro e sofrer os seu castigo, ser o culpado por tudo, o novo Adão.
         O que condicionava a queda de Adão era a proibição de Deus, fez despertar a concupiscentia, uma determinação de culpa e de pecado antes da culpa e do pecado. A atração do homem pelo proibido. Como se todos os homens, propagados segundo a natureza, nascem em pecado, sem temor de Deus, sem confiança em Deus e com concupiscência.
§5 – O conceito de angústia
         A inocência é ignorância, o último inocente foi Adão. Na inocência, o ser humano não está determinado como espírito, mas determinado psiquicamente em unidade imediata com sua naturalidade.
         Neste estado há paz e repouso, mas ao mesmo tempo há algo de diferente que não é discórdia e luta; pois não há nada contra o que lutar. Mas o que há, então? Nada. Mas nada, que efeito tem? Faz nascer à angústia. Este é o segredo profundo da inocência, que ela ao mesmo tempo é angústia.
         A angústia é a realidade da liberdade como possibilidade antes da possibilidade. Está posta na inocência, que não é uma culpa, um fardo pesado, um sofrimento que não se possa harmonizar com a felicidade da inocência.
O homem é uma síntese do psíquico e do corpóreo, o espírito. Na inocência, o homem não é meramente animal. O homem em espírito perturba a relação entre alma e corpo, se relaciona com angústia. Não pode fugir da angústia, sua inocência está no ápice. Sua ignorância é qualificada pelo espírito. A angústia é a possibilidade de ser-capaz-de.
A inocência é levada ao seu extremo. Ela está na angústia em relação com o proibido e com o castigo. Ela não é culpada e, não obstante, há uma angústia, como se ela já estivesse perdida.
§6 – Angústia como pressuposição do pecado hereditário e como explicando de modo retroativo, na volta à sua origem, o pecado hereditário
         Na inocência, Adão, enquanto espírito era um espírito sonhado. Ainda não sofrera a síntese, ou seja, estava posto como espírito. No instante em que o espírito se institui a si mesmo, institui a síntese. Antes desta hora, Adão não era um animal, mas não era de modo algum propriamente um homem; apenas no memento em que se torna homem, torna-se tal ao ser simultaneamente animal.
         A inocência é a realidade que precede a possibilidade da liberdade. A possibilidade da liberdade não consiste em poder escolher o bem ou o mal. Mas consiste em ser-capaz-de. Tal determinação intermediária é a angústia.
         A ciência não consegue explicar como o pecado entrou no mundo. Toda e qualquer ciência encontra-se ou numa imanência lógica ou numa imanência dentro de uma transcendência, que ela não consegue explicar. O pecado é exatamente aquela transcendência, o pecado adentra o indivíduo enquanto pessoa individual. De outra maneira o pecado não entra no mundo, e jamais entrou de outro modo.
         O pecado hereditário tem sua origem em Adão, ao se determinar e ser-capaz-de fazer sua escolha e sair da inocência, da ignorância e conhecer o bem e o mal, o que trouxe consequência para toda sua descendência, e assim se consuma a síntese do homem em espírito.
Referência:
KIERKEGAARD, Soren Aabye. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativo direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário ; tradução de Álvaro Luiz Montenegro Valls. 3 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes ; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2013.



segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Deleuze: Por uma pedagogia do conceito !






         “Não devemos produzir conceitos se não tiver atrelados a resolver problemas”. (Deleuze)
         A filosofia tem muito que contribuir para com a educação e o ensino. Deve-se definir qual é o papel do filósofo no ensino médio e no ensino superior. Pensar a filosofia no Brasil como uma relação com o brasileiro.
         As teorias de Deleuze servem para provocar o professor e ajudá-lo em suas práticas. Deleuze se preocupa com a forma ao se pensar filosofia, o que pode auxiliar no ensino.
         As pessoas são muito diferentes, não há um aluno padrão. Deve-se ter uma visão antropológica do aluno. Para Deleuze, pensar não é natural, precisa acontecer muitas coisas antecipadamente.
         Segundo Deleuze não dá para separar produção de filosofia e ensino de filosofia. O processo filosófico no Brasil é muito mais um processo de reprodução de teoria que uma produção de teoria.
         Ao se estudar filosofia existe uma relação de atração e resistência com a filosofia. Sendo assim, corre o risco de ser eliminada dos currículos nos espaços públicos e institucionais. A filosofia tem que ter uma clareza do que é, e se colocar no mundo.
         Para Deleuze a filosofia é a produção de conceito. Limitar a filosofia é criar espaço onde pode atuar. Compreende-se a filosofia a partir do que a filosofia não é, cria-se o espaço para o filósofo poder atuar. Filosofia não é reflexão, não é discussão, não é comunicação. Afinal, o que é isso a filosofia? É a produção de conceito.
         A filosofia é a atividade de produzir conceitos, os acontecimentos discursivos. O conceito é muito mais que uma palavra, cria um mundo, uma esfera de verdades, uma esfera de realidade. Se a palavra tiver uma força conceitual, passa a ser a realidade, ou seja, passa a criar o mundo. O conceito não é um simples conceito, mas uma construção de mundo.
         O filósofo ao criar um conceito, ele inventa a verdade, inventa o mundo. O filósofo é aquele que produz conceitos em um dado lugar, inventa conceitos e teorias, inventa o mundo.
         Lecionar filosofia é um desafio, o problema que está posto é como ensinar filosofia ou ainda como se ensinar a filosofar. Como fazer dar certo? Como garantir que o pensamento potencial se expresse? Como dar uma boa aula? O que move? O que te faz precisar pensar? Pensar não é natural: Há a necessidade de intercessores que mobilizem o pensamento. O essencial são os intercessores. É preciso fabricar seus próprios intercessores. Trair a história da filosofia, usá-la, se nutrir dela, mas a traí-la. Ter uma relação com as outras áreas do conhecimento ao reconhecer as identidades e diferenças. Buscar de forma discursiva afetar o aluno, criar a necessidade, colocar o problema, fazer uma investigação pelas outras áreas do saber e fabricar junto com o aluno o conceito.
         “Por uma pedagogia do conceito – o caminho é a produção de conceito: Afeto, necessidade, problema, investigação e fabricação de conceitos”. A filosofia é um acontecimento discursivo. Provocar o filósofo a criar conceitos é provocar o filósofo a atualizar conceitos.
Fonte: Fórum de Comunicação e Tecnologia 2016 - Profa. Dra. Susy Piza - UFABC



terça-feira, 20 de setembro de 2016

A Evolução da Vida Familiar !




Hoje assistimos ao impacto da Terceira Onda de maré da história, a Primeira Onda foi lançada pela revolução agrícola em torno de 10.000 AC, onde a humanidade passar a ser sedentária e valorizar a propriedade da terra, a Segunda Onda foi lançada pela revolução industrial século XVII DC, onde o meio de produção e o capital passam a ser valorizados pela humanidade.
A Terceira Onda está criando uma nova civilização em nosso meio, com seus próprios empregos, estilos de vida, ética de trabalho, atitudes sexuais, conceitos de vida, suas próprias estruturas econômicas e convicções políticas. Podemos efetuar uma transição pacífica para uma sociedade, mais ajuizada, mais sábia e mais democrática. O que dependerá da sábia utilização de nosso livre arbítrio, dos valores éticos existentes na sociedade.
Um dos pontos analisados é a família:
Na Primeira Onda o marido procurava uma esposa, e perguntava: “A minha futura mulher é trabalhadeira? Uma boa curandeira? Boa mestra para as crianças que virão? Poderemos trabalhar juntos compativelmente? Carregará uma boa carga ou provará que sabe esquivar-se a isso?” As famílias camponesas realmente perguntavam: “Ela é forte, boa em se curvar e se erguer, ou é doentia e fraca ?
Quando as funções da família foram reunidas durante a era da Segunda Onda. A família não era mais uma combinação de equipe de produção, escola, hospital de campo e casa de saúde, tudo se resolvia na Casa Grande. Em vez disso, suas funções psicológicas tonaram-se mais importantes. O casamento subentendia-se, devia fornecer companheirismo, sexo, calor e apoio. Em breve, esta mudança nas funções da família se refletia nos novos critérios para escolher uma companheira ou companheiro. Tudo era resumido na palavra única, amor. Era o amor, assegurava a cultura popular, que fazia o mundo girar.
Este tipo de família tonou-se padrão, modelo socialmente aprovado, por que sua estrutura se adaptava perfeitamente às necessidades de uma sociedade de produção em massa, com valores e estilos de vida amplamente partilhados, poder hierárquico e burocrático e uma clara separação da vida doméstica, e da vida no mercado de trabalho.
O modelo, um marido que ganha o pão, uma mulher dona-de-casa e um certo número de filhos. Foi esta forma particular de família — a família nuclear - - que a civilização da Segunda Onda idealizou, tonou dominante e espalhou ao redor do mundo.
A crise atual da família veio a ser vista sobre uma luz mais sensata, não como o resultado de preguiça individual ou fracasso moral, mas como forças gigantescas fora de controle do indivíduo. A má distribuição da riqueza, o investimento míope, a especulação descontrolada, normas comerciais estúpidas, governo inepto estas coisas, não a fraqueza pessoal que causa a crise. Os sentimentos de culpa eram, na maioria dos casos, ingenuamente inadequados.
Com efeito, a ruptura familiar atual é, de fato, parte da crise geral do industrialismo, ou seja a ruína de todas as instituições criadas pela Segunda Onda. É parte do desbravamento para uma nova sociosfera da Terceira Onda. E é este processo traumático, refletido em nossas vidas pessoais, que está alterando o sistema familiar até a um ponto de irreconhecimento.
O que estamos presenciando não é a morte da família como tal, mas a ruptura do sistema familiar da Segunda Onda. Estamos saindo da idade da família nuclear e entrando numa nova sociedade marcada por diversidade na vida familiar
O aspecto mais característico do casamento no futuro será precisamente a série de opções disponíveis para as diferentes pessoas que desejam coisas diferentes de suas relações uns com os outros.
O sistema familiar está se tornando desmassificado, juntamente com o sistema de produção e o sistema de informação na sociedade. Não haverá uma única forma de família, o sistema emergente irá liberar cada um de nós para encontrar o seu próprio nicho, para escolher ou criar um estilo de família ou trajetória harmonizada com as necessidades individualizadas.
A pergunta que devemos fazer é: Que sociedade emergirá com a consolidação da Terceira Onda ? As instituições conservadoras serão capazes de manter o padrão familiar da Segunda Onda ?
Referência:
TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. Tradução de João Távora, 9ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, RJ, 1980.