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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Sobre a Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral !





         § 1
         Para Nietzsche, o minuto mais soberbo e mentiroso da história foi quando animais inteligentes, localizados em um astro, inventaram o conhecimento. O intelecto humano dentro da natureza, para ele, é algo lamentável, fantasmagórico, fugaz, sem finalidade e gratuito. “Houve eternidades, em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta, que conduzisse além da vida humana”. (NIETZSCHE, 1974, p. 53) O filósofo é aquele que pensa, tem um olhar sobre seu agir e pensar a partir do universo.
         O intelecto humano é capaz disso, feito para auxiliar o ser humano, mais infeliz, delicado e perecível dos seres, e assim firma a sua existência. É algo que nos diferencia de um animal comum, a capacidade intelectual do ser humano possibilita a conservação do indivíduo, o disfarça na luta pela existência com animais que têm chifres ou presas aguçadas.
         O homem utiliza da arte do disfarce e alcança o seu ápice, ele engana, lisonjeia, mente, ludibria, fala por trás das costas, representa, vive uma glória emprestada, mascara-se conforme convenção dissimulante, faz o jogo teatral diante de si mesmo, alimenta sua vaidade, o que faz parecer um honesto e puro impulso à verdade. Ou seja, constrói a sua maneira a forma de se viver em sociedade. Imerso em ilusões e imagens de sonho, vive a partir de estímulos uma sensação que não conduz à verdade, mas contenta-se em receber estímulos.
         O que sabe o homem sobre si? Ele permite que seu sonho lhe minta, sem que seu sentido moral impeça este ato. “Sim, seria ele sequer capaz de alguma vez perceber-se completamente, como se tivesse em uma vitrina iluminada? ”. (NIETZSCHE, 1974, p. 53) Então de onde vem o impulso à verdade?
         Os homens não procuram evitar serem enganados, ou prejudicados pelo engano. Odeiam as consequências nocivas, hostis, de certas espécies de ilusões. O homem quer a verdade, deseja as consequências da verdade que são agradáveis e conservam a vida. É a afirmação da vida.
         O que é a palavra? Uma imagem modelada em um son, uma metáfora. “Acreditamos saber algo das coisas mesmas, se falamos de árvores, cores, neve e flores, e no entanto não possuímos nada mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades de origem”. (NIETZSCHE, 1974, p. 55) Toda palavra vira conceito quando convém a um cem números de casos, mais ou menos semelhantes, nunca iguais, podendo haver casos desiguais. O conceito nasce da igualação do não igual.
         O que é verdade, portanto?
Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismo, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas. (NIETZSCHE, 1974, p. 56)

         Ainda não sabemos de onde vem o impulso à verdade. O que sabemos é da obrigação da sociedade de existir, estabelecer-se. E dizer a verdade é usar de metáforas, expressas moralmente. E quando se mente utiliza-se uma convenção sólida, menti em rebanho, em um estilo obrigatório para todos. Menti de maneira designada, inconscientemente e segundo hábitos seculares. E justamente pela inconsciência e esquecimento, chega ao sentimento da verdade.
         O homem luta por um entendimento do mundo como uma coisa a partir do próprio homem. “Seu procedimento consiste em tomar o homem por medida de todas as coisas. [...] Esquece, pois, as metáforas intuitivas de origem, como metáforas, e as toma pelas coisas mesmas”. (NIETZSCHE, 1974, p. 58)
         § 2
         O homem é propenso a deixar-se enganar. Copia a vida humana, toma-a como uma coisa boa e se dá como satisfeito. O homem fala em metáforas, em arranjos conceituais, constrói as suas verdades. Por conceitos e abstrações se defende da infelicidade, e conquista uma felicidade para si mesmo e luta para se libertar da dor. Por motivos irracionais sofre e não aprende com a experiência, por continuar a cometer os mesmos erros. E para Nietzsche o homem diferente é:
Como é diferente, sob o mesmo infortúnio, o homem estoico instruído pela experiência e que se governa por conceitos! Ele, que de resto só procura retidão, verdade, imunidade a ilusões, proteção contra as tentações de fascinação, desempenha agora, na infelicidade, a obra-prima do disfarce, como que uma máscara com digno equilíbrio de traços, não grita nem sequer altera a voz: se uma boa nuvem de chuva se derrama sobre ele, ele se envolve em seu manto e parte a passos lentos, debaixo dela. (NIETZSCHE, 1974, p. 60)

         Este é o homem do mundo, que para afirmar a vida faz o uso da verdade, mesmo que esta verdade seja metafórica e seja uma mentira. Pois o homem vive em um mundo que foi nomeado por si, na essência não o conhece. Para designá-lo faz o uso de palavras, que tem a sua origem em metáforas, capazes apenas de expressar o pensamento humano, jamais a verdade em si mesmo, pois o mundo está muito além da compreensão humana. O homem é parte do mundo, e o mundo não é uma representação do homem, o homem só é capaz de: a partir do mundo, dizer o que é o mundo metaforicamente e dar sentido para si mesmo. Ou seja, fazer aquilo que é necessário para afirmar a sua própria existência.

Referência Bibliográfica:
NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas – Seleção de textos de Gérard Lebrun / Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, Abril Cultural, São Paulo, 1ª edição, 1974.


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