§
1
Para
Nietzsche, o minuto mais soberbo e mentiroso da história foi quando animais
inteligentes, localizados em um astro, inventaram o conhecimento. O intelecto
humano dentro da natureza, para ele, é algo lamentável, fantasmagórico, fugaz,
sem finalidade e gratuito. “Houve
eternidades, em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá
acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta, que
conduzisse além da vida humana”. (NIETZSCHE, 1974, p. 53) O filósofo é
aquele que pensa, tem um olhar sobre seu agir e pensar a partir do universo.
O
intelecto humano é capaz disso, feito para auxiliar o ser humano, mais infeliz,
delicado e perecível dos seres, e assim firma a sua existência. É algo que nos
diferencia de um animal comum, a capacidade intelectual do ser humano
possibilita a conservação do indivíduo, o disfarça na luta pela existência com
animais que têm chifres ou presas aguçadas.
O
homem utiliza da arte do disfarce e alcança o seu ápice, ele engana, lisonjeia,
mente, ludibria, fala por trás das costas, representa, vive uma glória
emprestada, mascara-se conforme convenção dissimulante, faz o jogo teatral
diante de si mesmo, alimenta sua vaidade, o que faz parecer um honesto e puro
impulso à verdade. Ou seja, constrói a sua maneira a forma de se viver em
sociedade. Imerso em ilusões e imagens de sonho, vive a partir de estímulos uma
sensação que não conduz à verdade, mas contenta-se em receber estímulos.
O
que sabe o homem sobre si? Ele permite que seu sonho lhe minta, sem que seu
sentido moral impeça este ato. “Sim,
seria ele sequer capaz de alguma vez perceber-se completamente, como se tivesse
em uma vitrina iluminada? ”. (NIETZSCHE, 1974, p. 53) Então de onde vem o
impulso à verdade?
Os
homens não procuram evitar serem enganados, ou prejudicados pelo engano. Odeiam
as consequências nocivas, hostis, de certas espécies de ilusões. O homem quer a
verdade, deseja as consequências da verdade que são agradáveis e conservam a
vida. É a afirmação da vida.
O
que é a palavra? Uma imagem modelada em um son, uma metáfora. “Acreditamos saber algo das coisas mesmas,
se falamos de árvores, cores, neve e flores, e no entanto não possuímos nada
mais do que metáforas das coisas, que de nenhum modo correspondem às entidades
de origem”. (NIETZSCHE, 1974, p. 55) Toda palavra vira conceito quando
convém a um cem números de casos, mais ou menos semelhantes, nunca iguais,
podendo haver casos desiguais. O conceito nasce da igualação do não igual.
O
que é verdade, portanto?
Um batalhão
móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismo, enfim, uma soma de relações
humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas,
enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias:
as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se
tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só
entram em consideração como metal, não mais como moedas. (NIETZSCHE, 1974, p. 56)
Ainda
não sabemos de onde vem o impulso à verdade. O que sabemos é da obrigação da
sociedade de existir, estabelecer-se. E dizer a verdade é usar de metáforas,
expressas moralmente. E quando se mente utiliza-se uma convenção sólida, menti
em rebanho, em um estilo obrigatório para todos. Menti de maneira designada,
inconscientemente e segundo hábitos seculares. E justamente pela inconsciência
e esquecimento, chega ao sentimento da verdade.
O
homem luta por um entendimento do mundo como uma coisa a partir do próprio homem.
“Seu procedimento consiste em tomar o
homem por medida de todas as coisas. [...] Esquece, pois, as metáforas
intuitivas de origem, como metáforas, e as toma pelas coisas mesmas”. (NIETZSCHE,
1974, p. 58)
§
2
O
homem é propenso a deixar-se enganar. Copia a vida humana, toma-a como uma coisa
boa e se dá como satisfeito. O homem fala em metáforas, em arranjos
conceituais, constrói as suas verdades. Por conceitos e abstrações se defende da
infelicidade, e conquista uma felicidade para si mesmo e luta para se libertar
da dor. Por motivos irracionais sofre e não aprende com a experiência, por
continuar a cometer os mesmos erros. E para Nietzsche o homem diferente é:
Como é
diferente, sob o mesmo infortúnio, o homem estoico instruído pela experiência e
que se governa por conceitos! Ele, que de resto só procura retidão, verdade,
imunidade a ilusões, proteção contra as tentações de fascinação, desempenha
agora, na infelicidade, a obra-prima do disfarce, como que uma máscara com
digno equilíbrio de traços, não grita nem sequer altera a voz: se uma boa nuvem
de chuva se derrama sobre ele, ele se envolve em seu manto e parte a passos
lentos, debaixo dela. (NIETZSCHE, 1974, p. 60)
Este
é o homem do mundo, que para afirmar a vida faz o uso da verdade, mesmo que
esta verdade seja metafórica e seja uma mentira. Pois o homem vive em um mundo
que foi nomeado por si, na essência não o conhece. Para designá-lo faz o uso de
palavras, que tem a sua origem em metáforas, capazes apenas de expressar o
pensamento humano, jamais a verdade em si mesmo, pois o mundo está muito além
da compreensão humana. O homem é parte do mundo, e o mundo não é uma
representação do homem, o homem só é capaz de: a partir do mundo, dizer o que é
o mundo metaforicamente e dar sentido para si mesmo. Ou seja, fazer aquilo que é
necessário para afirmar a sua própria existência.
Referência Bibliográfica:
NIETZSCHE, Friedrich. Obras Incompletas –
Seleção de textos de Gérard Lebrun / Tradução e notas de Rubens Rodrigues
Torres Filho, Abril Cultural, São Paulo, 1ª edição, 1974.
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