O
objetivo do esclarecimento é proporcionar o progresso do pensamento, livrar os
homens do medo e tornar os homens senhores de si. Os mitos se dissolvem e a
imaginação é substituída por saber. Tal saber que gerou a ciência, a guerra e
as finanças, no comércio e na navegação. O homem se faz superior pelo saber,
mas imersos em conflitos e contradições.
O
saber é poder, não tem fronteiras, se coloca a serviço da economia burguesa na
fábrica e no campo de batalha, à disposição dos empresários. Desenvolvem-se métodos
para a utilização do trabalho e do capital. O homem faz todo esforço para
aprender da natureza como empregá-la para dominá-la completamente e aos homens.
O
esclarecimento se faz no momento em que o homem submete ao critério da
calculabilidade e da utilidade o domínio da matéria. O que não se pode submeter
torna-se suspeito para o esclarecimento. O esclarecimento torna-se totalitário
por adotar o princípio da racionalidade.
Os
mitos se desfazem com o esclarecimento e o mundo é submetido ao domínio dos
homens. O homem se percebe poderoso e há uma separação de Deus e dos homens. “Enquanto soberanos da natureza, o deus criador
e o espírito ordenador se igualam. A imagem e semelhança divinas do homem
consistem na soberania sobre a existência, no olhar do senhor, no comando”.
(ADORNO, 1985, p. 21)
O
homem de ciência conhece as coisas na medida em que se pode fazê-las. É o surgimento
do mito da ciência e tecnologia, o uso da razão de forma metodológica e
racional para um fim, e assim se obter um resultado. Assim, o mito converte-se
em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade. O homem paga o preço pelo
seu aumento de poder ao se alienar daquilo sobre o que exerce poder. Um exemplo
são os modelos racionais e tecnológicos que trouxeram mais eficiência para o
mundo do trabalho. O homem já não domina o seu ofício, não conhece na
totalidade o trabalho, ele é apenas uma engrenagem de um grande sistema. O
homem deixou de ter a importância central para se fragmentar em várias partes
do processo de produção de um bem ou serviço. Assim, o homem se coisifica, pode
ser trocado, substituído, descartado quando não apresenta mais utilidade por se
tornar obsoleto com a evolução tecnológica. Não há uma ética da ciência, da
tecnologia, da racionalidade que dê maior importância para o homem. O trabalho
deixa de estar a serviço do homem, para o homem estar a serviço do trabalho. Esse
é um dos efeitos da lógica vigente para o uso da ciência e da tecnologia, que é
ser cada vez mais eficiente, para ser mais eficaz. Ou seja, o sentido útil de algo
está na capacidade de gerar resultado.
O
homem ao ter a confiança inabalável na possibilidade de dominar o mundo através
da ciência e tecnologia, não define limites para as suas ações, tudo pode, tudo
é permitido desde que seja útil. A questão é: Útil em que espaço de tempo?
Quais são as consequências desse tipo de comportamento? A preservação da vida não
seria o limite ético para o uso da tecnologia? O que o homem está matando a
logo prazo?
O
homem está alienado do mundo, já não se percebe como parte integrante da vida
no planeta terra, pela crença inabalável das possibilidades tecnológicas
proporcionadas pela ciência. O planeta morre mais a cada ano e a logo prazo o
homem morrerá também, sua passagem pela terra será contada pelas ruínas
deixadas.
O
pensamento do homem tornou algo coisificado, já não se pensa o pensamento. “A dominação da natureza traça o círculo
dentro do qual a Crítica da Razão Pura baniu o pensamento. [...] Não há nenhum
ser no mundo que a ciência não possa penetrar, mas o que poder ser penetrado
pela ciência não é o ser.” (ADORNO, 1985, p. 33) É a redução do pensamento a
uma máquina, que confirma o mundo a sua própria medida. É o triunfo da
racionalidade objetiva, submissão de todo ente ao formalismo lógico, é a
subordinação da razão ao imediatamente dado. O
conhecer está em cheque, como seremos esclarecidos, se está imposta uma única forma
de conhecer? A clareza da forma científica.
O
homem deve escolher em se submeter-se à natureza ou submeter à natureza ao eu. É
uma medida de autoconservação ou autodestruição, é a tentativa do eu de
sobreviver a si mesmo. “O medo de perder
o eu e o de suprimir com o eu o limite entre si mesmo e a outra vida, o temor
da morte e da destruição, está imanado a uma promessa de felicidade, que
ameaçava a cada instante a civilização.” (ADORNO, 1985, p. 39)
O
homem se adaptou ao poder do progresso, o gerou o progresso do poder. Uma
maldição do progresso irrefreável que gerou a irrefreável regressão. Fazendo da
aparelhagem social, econômica e científica estarem a serviço de um capitalismo
neoliberal, que não vê limite ético para sua expansão através do uso da ciência
e tecnologia, apenas quer maximizar o resultado financeiro.
Referência Bibliográfica:
ADORNO, Theodor W., Dialética do
esclarecimento fragmentos filosóficos / Theodor W. Adorno, Max Horkheimer;
tradução, Guido Antonio de Almeida. – Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
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