O
que é o Virtual?
O movimento geral de
virtualização ultrapassa amplamente a informatização. Não afeta hoje apenas a
informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os
quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência.
O livro o que é o
Virtual defende uma hipótese diferente, exprime uma busca da hominização. É uma
visão não catastrofista entre as evoluções culturais em andamento nesta virada
do terceiro milênio.
A virtualização é um
movimento do “devir outro” – ou heterogênese – do humano. Assim devemos nos
esforçar para apreender, pensar, compreender a sua amplitude.
O virtual tem pouco
haver com o falso é um modo de ser. É um processo de transformação de um modo
de ser num outro. É a virtualização que retorna do real ou do atual em direção
ao virtual, é uma transformação inversa.
Contém um desafio
triplo: filosófico (o conceito de virtualização), antropológico (a relação
entre o processo de hominização e a virtualização) e sócio-político
(compreender a mutação contemporânea para poder atuar nela). É uma
virtualização em curso de invenção.
O
que é a Virtualização?
Sua resposta busca
definir os principais conceitos de realidade, de possibilidade, de atualidade e
de virtualidade, diferentes transformações de um modo de ser em outro. É a
análise da “desterritorialização” e outros fenômenos espaço-temporais estranhos
que lhe são geralmente associados.
Existe uma oposição
fácil e enganosa entre real e virtual, o primeiro é uma efetuação material, uma
presença tangível, o segundo uma ausência de existência. Na filosofia
escolástica, virtual é o que existe em potência e não em ato, tende a
atualizar-se, sem ter passado, no entanto à concretização efetiva ou formal. O
virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual.
A atualização é
criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças
e de finalidades. A invenção de uma solução exigida por um problema complexo. A
virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização. A
atualização vai de um problema a uma solução, a virtualização passa de uma
solução dada a um outro problema, é um dos principais vetores da criação de
realidade.
Segundo o senso comum o
virtual é inapreensível, o complementar do real, tangível, não está presente.
Embora não pertença a nenhum lugar, frequente um espaço não designável, ocorre
apenas entre coisas claramente situadas, de não estar somente presente, nada
disso impede a existência.
Uma comunidade virtual
pode organizar-se pelos mesmos núcleos de interesses, pelos mesmos problemas: a
geografia, o contingente, não é mais nem um ponto de partida, nem uma coerção.
Apesar de “não presente”, essa comunidade está repleta de paixões, de projetos,
de conflitos e de amizades. Ela vive sem lugar de referência estável. A
virtualização reinventa uma cultura nômade, fazendo surgir um meio de interações
sociais onde as relações se reconfiguram com um mínimo de inércia.
Não é totalmente
independente do espaço-tempo de referência, uma vez que deve sempre se inserir
em suportes físicos e se atualizar aqui ou alhures, agora ou mais tarde. A
sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de
tempo. O virtual deixa de ser imaginário e produz efeitos. Um exemplo é a
tecnociência, das finanças e dos meios de comunicação, estruturam a realidade
social com mais força, e até com mais violência.
Cada novo sistema de
comunicação e de transporte modifica o sistema das proximidades práticas, isto
é são novos espaços, novas velocidades, o espaço pertinente para as comunidades
humanas. Assim de forma análoga, diversos sistemas de registro e de transmissão,
tradição oral, escrita, registro audiovisual, redes digitais, constroem ritmos,
velocidades ou qualidades de história diferentes. A multiplicação contemporânea
dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo. Saltamos de uma rede a outra,
de um sistema de proximidade ao seguinte, os espaços de metamorfoseiam e se
bifurcam a nossos pés, forçando-nos à heterogênese.
A aceleração das
comunicações é contemporânea de um enorme crescimento da mobilidade física. O
aumento da comunicação é generalização do transporte rápido participam do mesmo
movimento de virtualização da sociedade, da mesma tensão em sair de uma
“presença”, o que causou degradações do ambiente tradicional, foi o preço a ser
pago, devemos nos interrogar sobre o preço a ser pago pela virtualização
informacional. Ela inventa, no gasto e no risco, velocidades qualitativamente
novas, espaços-tempos mutantes.
Um caráter associado à
virtualização é a passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior.
São os registros das relações entre privado e público, próprio e comum,
subjetivo e objetivo, mapa e território, autor e leitor etc. Os limites não são
mais dados, os lugares e tempos se misturam, as fronteiras nítidas dão lugar a
uma fractalização das repartições. São as próprias noções de privado e de
público que são questionadas.
Os sistemas Inter
empresas de gestão eletrônica de documentos, assim como os grupos de projetos
comuns a várias organizações, tecem com frequência ligações mais fortes entre
coletivos mistos que as que unem passivamente pessoas pertencentes oficialmente
à mesma entidade jurídica. A mutualização dos recursos, das informações e das
competências provoca claramente esse tipo de indecisão ou de indistinção ativa,
esses circuitos de reversão entre exterioridade e interioridade.
Moral !
A moral está em aceitar
existir no mundo, em não fugir, em estar presente para os outros e para si. A
virtualização é o movimento pelo qual se constituiu e continua a se criar nossa
espécie.
A virtualidade não tem
absolutamente nada a ver com aquilo que a televisão mostra sobre ela. Não se
trata de modo algum de um mundo falso ou imaginário. Ao contrário, a virtualização
é a dinâmica mesma do mundo comum, é aquilo que através do qual compartilhamos
uma realidade. É um modo de existência de que surgem tanto a verdade como a
mentira.
Cada salto a um novo
modo de virtualização, cada alargamento do campo dos problemas abrem novos
espaços para a verdade, e igualmente para a mentira.
A força e a velocidade
da virtualização contemporânea são tão grandes que exilam as pessoas de seus próprios
saberes, expulsam-nas de sua identidade, de sua profissão, de seu país. As
pessoas são empurradas nas estradas, amontoam-se nos barcos, acotovelam-se nos
aeroportos. Outros, ainda mais numerosos, verdadeiros imigrados da
subjetividade, são forçados a um nomadismo do interior.
Como responder a esta
situação? Devemos antes tentar acompanhar e dar sentido à virtualização,
inventando uma nova arte da hospitalidade. Neste momento de grande
desterritorialização, deve haver uma nova dimensão estética, próprio traço da
criação.
A arte, a filosofia, a
política e a tecnologia que são inspiradas e atravessadas, deve opor uma virtualização
requalificante, inclusiva e hospitaleira à virtualização pervertida que exclui
e desqualifica.
A todos afetados pela
virtualização, que se sentem desterritorializados, vocês estão em casa,
benvindos à nova morada do gênero humano. Benvindos aos caminhos do virtual.
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