NAÇÃO & RAÇÃO !
INT. SALA DA CASA - DIA
A sala é impecável, aparentemente
pertence à uma família de classe média alta de São Paulo. Estão sentados no
sofá JOÃO, 43 anos, roupas impecáveis e com muita postura e MARCELA, 35 anos,
bem vestida, unhas feitas, maquiada. Os dois assistem à um programa de
televisão e sorriem.
MARCELA
- Onde está o Joãozinho?
JOÃO
- Eu não sei. Ele disse que ia pintar só dentro do quarto dele.
MARCELA
- (ficando nervosa) - Pintar? E a roupa dele? Será que
ele
vai se sujar?
JOÃO
- Calma. Eu não achei que isso fosse ser tão ruim assim.
MARCELA
- Não achou? Como não achou? Esqueceu como passamos fome no mês passado por
causa dessas tintas?
JOÃO
- Isso não vai acontecer, Marcela. Eu trabalhei muitas horas a mais esse mês.
MARCELA
- Você sabe que isso não faz diferença.
JOÃO
- E ele está no quarto dele. Ninguém vai ver que a camisa está suja. SE estiver
suja.
(JOÃOZINHO entra na sala, vestido com
uma camisa social manchada de tinta. Marcela se desespera.)
MARCELA
- Ai meu filho, onde é que você estava?
JOÃOZINHO
- Só fui brincar na rua, mamãe.
MARCELA
- Na rua? Com essa roupa assim?
JOÃOZINHO
- (perccebendo a tinta em sua roupa) - Não foi nada.
(Marcela olha angustiada para João, que
se levanta sem graça.)
JOÃO
- Eu... eu vou fazer umas ligações.
(João sai da sala.)
JOÃOZINHO
- Eu tô com fome, mamãe. O que tem pra hoje?
MARCELA
- Eu não sei. Alguma coisa deve ter sobrado ainda... você sabe que cada vez que
a gente pinta uma parede, recebemos menos comida.
JOÃOZINHO
- Eu sei, mas eu nunca mais pintei do lado de fora.
MARCELA
- Ainda não é o suficiente, filho. As pessoas não tem que pintar nada. Como é
que ainda permitem a venda dessas tintas?
(João chega na sala e percebe a aflição
de Marcela.)
JOÃO
- Sem elas, o que vai sobrar pra gente colorir as coisas?
(Marcela parece não dar atenção ao que o
marido fala e mantém com seu olhar angustiado.)
MARCELA
- Conseguiu ligar?
(João tem uma expressão muito triste.)
JOÃO
- Sim.
MARCELA
- Não... por favor não...
JOÃO
- Eu vou tentar negociar ainda, talvez eles aceitem... talvez se eu dobrar as
horas de trabalho...
MARCELA
- Você sabe que eles vão transformar isso em sua obrigação.
JOÃO
- E o que você quer? Morrer de fome?
(Marcela, quase chorando, abraça seu
filho.)
MARCELA
- Quantas horas de trabalho você já não aumentou?
JOÃO
- Eu só queria que o Joãozinho tivesse uma infância feliz... ele
só
gosta de pintar, isso não é nenhum crime.
MARCELA
- Você sabe que já faz alguns anos que isso se tornou crime.
JOÃO
- Por deus, Marcela, ele é só uma criança.
JOÃOZINHO
- O que tá acontecendo, gente?
MARCELA
- Você não entendeu ainda? A gente vai receber pouca comida esse mês... de
novo.
JOÃO
- Não, Marcela. Eles cortaram tudo dessa vez.
MARCELA
- Como assim tudo?
JOÃO
- Não vai ter comida esse mês pra nós. E se descobrirem que alguém nos ajudou,
você já sabe o que vai acontecer...
(João sai da sala chorando. Marcela
abraça seu filho, desesperada.)
JOÃOZINHO
- Eu tô com fome... desculpa, mãe, eu não vou mais pintar nada.
(João volta com meio pão, pratos e
talheres requintados. Ele divide o pão em três.)
JOÃO
- Desculpa, filho. Nem todo mundo vê as cores do mesmo jeito que você.
Cada um pega o seu pedaço de pão e começa
a comer. Mantendo a elegância, mas todos angustiados.
Realizado pelo grupo de estudos !
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