CAPUT 1 – Angústia como pressuposição do
pecado hereditário e como explicação de modo retroativo, na volta à sua origem,
o pecado hereditário.
§4 – O conceito de queda
A
inocência é ignorância e Adão sofreu a queda porque perdeu a inocência. Pode-se
dizer que a causa da queda de Adão está na sua inocência. E se a inocência é
ignorância, então há uma diferença entre a inocência de Adão e a de qualquer homem
posterior, que já não é mais inocente e conhece as consequências do pecado, que
é a queda.
Na medida em que a
culpabilidade do gênero em sua determinidade quantitativa está presente na
ignorância do indivíduo, e o ato deste se mostra como culpabilidade dele. Adão é
culpado por causa da queda, que se está no hábito, na irreflexão e na estupidez
ética.
Poderíamos
nos esquivar da consequência lógica do pecado, que é a queda. Conformar-nos com
o pedado e suportá-lo. Entendermos que somos pecadores a partir de Adão, que nos
tornamos miseráveis, não entristecermos mais com o pecado.
Mas
o único inocente que entristeceu-se pelo pecado foi Cristo, não que fosse um
destino ou precisava-se conformar-se, mas porque livremente decidiu carregar os
pecados do mundo inteiro e sofrer os seu castigo, ser o culpado por tudo, o
novo Adão.
O
que condicionava a queda de Adão era a proibição de Deus, fez despertar a concupiscentia, uma determinação de
culpa e de pecado antes da culpa e do pecado. A atração do homem pelo proibido.
Como se todos os homens, propagados segundo a natureza, nascem em pecado, sem
temor de Deus, sem confiança em Deus e com concupiscência.
§5 – O conceito de angústia
A
inocência é ignorância, o último inocente foi Adão. Na inocência, o ser humano não
está determinado como espírito, mas determinado psiquicamente em unidade
imediata com sua naturalidade.
Neste
estado há paz e repouso, mas ao mesmo tempo há algo de diferente que não é discórdia
e luta; pois não há nada contra o que lutar. Mas o que há, então? Nada. Mas
nada, que efeito tem? Faz nascer à angústia. Este é o segredo profundo da inocência,
que ela ao mesmo tempo é angústia.
A
angústia é a realidade da liberdade como possibilidade antes da possibilidade. Está
posta na inocência, que não é uma culpa, um fardo pesado, um sofrimento que não
se possa harmonizar com a felicidade da inocência.
O homem é uma síntese
do psíquico e do corpóreo, o espírito. Na inocência, o homem não é meramente
animal. O homem em espírito perturba a relação entre alma e corpo, se relaciona
com angústia. Não pode fugir da angústia, sua inocência está no ápice. Sua
ignorância é qualificada pelo espírito. A angústia é a possibilidade de
ser-capaz-de.
A inocência é levada ao
seu extremo. Ela está na angústia em relação com o proibido e com o castigo. Ela
não é culpada e, não obstante, há uma angústia, como se ela já estivesse
perdida.
§6 – Angústia como pressuposição do pecado
hereditário e como explicando de modo retroativo, na volta à sua origem, o
pecado hereditário
Na
inocência, Adão, enquanto espírito era um espírito sonhado. Ainda não sofrera a
síntese, ou seja, estava posto como espírito. No instante em que o espírito se
institui a si mesmo, institui a síntese. Antes desta hora, Adão não era um animal,
mas não era de modo algum propriamente um homem; apenas no memento em que se
torna homem, torna-se tal ao ser simultaneamente animal.
A
inocência é a realidade que precede a possibilidade da liberdade. A
possibilidade da liberdade não consiste em poder escolher o bem ou o mal. Mas
consiste em ser-capaz-de. Tal determinação intermediária é a angústia.
A
ciência não consegue explicar como o pecado entrou no mundo. Toda e qualquer ciência
encontra-se ou numa imanência lógica ou numa imanência dentro de uma transcendência,
que ela não consegue explicar. O pecado é exatamente aquela transcendência, o
pecado adentra o indivíduo enquanto pessoa individual. De outra maneira o
pecado não entra no mundo, e jamais entrou de outro modo.
O
pecado hereditário tem sua origem em Adão, ao se determinar e ser-capaz-de
fazer sua escolha e sair da inocência, da ignorância e conhecer o bem e o mal,
o que trouxe consequência para toda sua descendência, e assim se consuma a síntese
do homem em espírito.
Referência:
KIERKEGAARD, Soren Aabye. O conceito de
angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativo direcionada ao
problema dogmático do pecado hereditário ; tradução de Álvaro Luiz Montenegro
Valls. 3 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes ; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária
São Francisco, 2013.
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