Como o capitalismo, a moral
e a política se relacionam na virada do milênio do mundo contemporâneo? Existe
uma dificuldade em conciliar valores morais universais com uma sociedade, que
estimula o individualismo, a competitividade e a defesa dos interesses particulares
em detrimento do bem comum.
Hoje, a política como
lugar de manifestação das aspirações humanas de liberdade e justiça, tornou-se
irrelevante para a maioria das pessoas. A política não atrai senão alguns
poucos profissionais que vivem de política, mas não para a política.
Consolidou-se, a partir daí, a percepção de uma instrumentalização generalizada
da política por interesses particulares, partidários ou corporativos. Esse
gesto de desprezo pela política é visível, sobretudo, nas gerações mais jovens.
Existe a necessidade de ressignificar a política, em especial no Brasil.
O distanciamento da
juventude da política está diretamente ligado ao declínio da própria ação
política como meio de transformação da realidade e realização humana,
contrariando seu sentido original, aquela que Aristóteles chamava de práxis,
isto é, atividade verdadeiramente livre e única capaz de realizar o ser do
homem.
Os mais jovens
demonstram, vivo interesse pelas questões coletivas, só que agora esse
interesse se manifesta não mais pela participação política, mas por um retorno às
questões morais, mesmo que agora elas recebam outros nomes, como direitos humanos,
caridade social, ação humanitária, ambientalismo etc.
O jovem está se
apegando a uma vida conduzida por uma moral capaz de transformar a sua
realidade, e os motivos que fazem o jovem trocar uma vida política por uma vida
moral são: A burocratização da política, a derrocada do socialismo soviético,
criando a aparência de um triunfo do capitalismo e a ausência de uma
alternativa política a ele. O papel descrente da religião como amálgama social,
não apenas como crença individual, o que reforçou o movimento em busca de
substitutos morais que sirvam de referências para as condutas pessoais. Tudo
isso parece-nos mais do que suficiente para afirmar que, efetivamente, vivemos
num período de retorno da questão moral.
Só que a moral não é
capaz de substituir a política, não podemos esperar eliminar o desemprego, a
miséria, a fome e a exclusão social pela simples caridade social. É necessária a
criação de programas políticos muito bem definidos, se quisermos realizar um
objetivo moral.
Para Comte-Sponville, o
capitalismo não é moral, para o capitalismo ser moral é necessário que a ordem
econômica se submeta a princípios de funcionamento que lhe são estranhos. A
economia é regida pela eficiência e produtividade em vista do acúmulo de lucro,
o que, na maioria das vezes, é incompatível com princípios morais.
O capitalista, por
exemplo, não pode ter veleidades de solidariedade social diante das pressões da
concorrência com outros capitalistas. Se sua empresa apresenta constantemente
maus resultados, ele não hesita em dispensar seus empregados, sob pena de
acumular prejuízos e ir à falência. Manter seus funcionários empregados em nome
da dignidade deles e de suas famílias colocaria em risco os próprios negócios. Por
isso, é obrigado a obedecer à lógica econômica, sacrificando os princípios morais,
ainda que deseje cultivá-los.
Devemos então nos
conformar à realidade econômica como ela é e abandonar nossas aspirações éticas
de solidariedade, dignidade humana, respeito mútuo etc.? Devemos nos conformar
à exploração econômica, à lógica do lucro que coloca a produtividade cega acima
da necessidade humana, que exige o consumo desenfreado dos recursos naturais,
responsável pelos desequilíbrios ambientais do planeta?
Como a economia, a
moral e a política podem se relacionar para a formação de uma nova ética para o
novo milênio? Precisa-se criar o novo Homo Político-Ethos-Econômico. Exigir do
capitalismo igualdade e liberdade não significa querer submeter à economia aos
imperativos da moral, e impor-lhe princípios que lhe são estranhos, mas apenas
exigir que cumpram os pressupostos de justiça que já traz dentro de si. Para
que as aspirações de justiça da humanidade superem definitivamente seu caráter
abstrato carecem ainda de que se indiquem os meios práticos de sua realização.
Para que a
reivindicação moral se torne legítima e não ideológica, ela deve ser capaz de
articular-se com a política, mesmo que a política se encontre fora do partido,
do sindicato etc. Ou seja, a ética moral de uma justiça social em uma economia
capitalista só pode ser construída a partir de uma ação política prática. O
homem é um animal político por necessidade da manutenção equilíbrio de uma
sociedade. A sociedade se materializa e se torna contínua pela ação política de
seus cidadãos.
Fonte: Filosofia : estética e política, volume 3 / organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. -- Cuiabá, MT : Central de Texto, 2013.