Segundo Cícero, “filosofar não é outra coisa senão
preparar-se para a morte.” Pois o estudo e a contemplação retiram nossa
alma de nós e a ocupam separada do corpo, o que é um aprendizado e semelhança
com a morte, pois toda sabedoria e razão do mundo ensinam a não ter medo de
morrer. A razão escarnece de nós seu trabalho é fazer-nos viver bem. Podemos
viver a volúpia ou a virtude nesta vida. Segundo Montaigne:
“A morte é o fim de
nossa caminhada, é o objeto necessário de nossa mira; se nos apavora, como é
possível dar um passo à frente sem ser tomado pela ansiedade?” (MONTAIGNE, p. 46)
A saída é não pensar
nela. Quando a pessoa morre devemos dizer, ele parou de viver, ou ele viveu, em
vez de ele morreu. É preciso preparar-se para a morte mais cedo. Para Montaigne, “meditar previamente sobre a
morte é meditar previamente sobre a liberdade.” Não há mal na vida para
aquele que compreendeu que a privação da vida não é um mal. Ao saber morrer
liberta-se de toda sujeição e imposição. Aprender a morrer e desaprender a
subjugar-se. A pensarmos na morte, e que estamos a cada dia da vida caminhando
para a morte, para Montaigne acabar o que tem a fazer antes de morrer, todo
o tempo vago parece curto, ainda que seja trabalho de uma hora. Devemos estar
sempre prontos para partir. Assim Montaigne formula a seguinte pergunta: “Por que bravamente visar tantos objetivos
quando a vida é tão curta?” Pois todos estão imersos em muitos trabalhos,
objetivos, planos, assim se queixam quando vem à morte, uma interrupção dos
projetos de vida. Feliz Montaigne, que se acha pronto para morrer. Pode ir
quando Deus aprouver sem se lamentar de coisa alguma. Montaigne faz a seguinte
afirmação:
“Desligo-me de tudo: minhas despedidas de cada
um estão quase feitas, exceto de mim. Nunca um homem se preparou para deixar o
mundo mais pura e plenamente, e desapegou-se mais completamente do que eu tento
fazer.” (MONTAIGNE, p. 51)
Ao comentar sobre as
diversas mortes, para Montaigne, quem ensinasse os homens a morrer os ensinaria
a viver. Assim fica uma questão para Montaigne:
“Em nossa religião (Cristã) não teve fundamento
humano mais seguro que o desprezo pela vida. Não só o argumento da razão nos
convida a isso, pois por que temeríamos perder uma coisa que, perdida, não pode
ser lamentada?” (MONTAIGNE, p. 54)
O nosso nascimento
nos trouxe o nascimento de todas as coisas, como a nossa morte trará a morte de
todas as coisas. A morte é a origem de outra vida. Viver uma vida longa e viver
uma vida curta tornam-se iguais pela morte, pois não há curto e longo nas
coisas que não existem mais. Para Montaigne:
“A mesma passagem que fizestes da morte à
vida, sem paixão e sem temor, refazei-a da vida à morte. Vossa morte é uma das
peças da ordem do universo, é uma peça da vida do mundo.” (MONTAIGNE, p. 55)
A morte faz parte de
nós, a existência que temos está dividida entre a morte e a vida, ao nascermos
somos encaminhados para morrer como para viver. A contínua obra de nossa vida é
construir a morte. A vida não é em si nem bem nem mal: nela o bem e o mal têm o
lugar que lhes dais. A morte não nos diz respeito nem morto nem vivo, vivo,
porque existo, estou morto, pois não mais existo. Ninguém morre antes de sua
hora. Todos os dias levam à morte: o último a alcança. Assim não há porque
temermos a morte, devemos bem viver a cada momento, e preparados para a
qualquer momento passarmos pela morte.
Bibliografia:
DE MONTAIGNE, Michel. Os Ensaios – Uma
Seleção, Organização de M. A. SCREECH, Tradução e notas de ROSA FREIRE D’AGUIAR, Penguin, Companhia das
Letras.