O
corpo das crianças nas escolas é submetido a um adestramento disciplinar, para
fabricar um corpo produtivo, uma máquina de produção de riquezas, uma fonte de
trabalho. Os dispositivos disciplinares esquadrinham, distribuiem o corpo,
que é tratado como objeto de intervenção dos dispositivos de poder
governamental. “A população vai ser o
objeto que o governo deverá levar em conta nas suas observações, em seu saber,
para chegar efetivamente a governar de maneira racional e refletida”.
(FOUCAULT, 2008a, p. 140).
A
governamentabilidade é exercida em rede, indivíduos que circulam, em posição de
serem submetidos ao poder. Poder esse que não emana apenas de uma instituição,
o Estado ideal e jurídico, mas “o
conjunto constituído pelas instituições, os procedimentos, análises, reflexões,
os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem específica de
poder que tem como alvo principal a população”. (FOUCAULT, 2008a, p. 143)
As instituições como a família, escola, hospital, universidade produzem um
discurso que é entendido como verdadeiro, servem de base para a formulação de
políticas públicas e interferem na maneira como os jovens são educados.
O
entendimento de que a criança, o jovem deve ser cuidado e educado por
instituições educacionais autorizadas pelo Estado é recente na história da humanidade.
Só a partir do séc. XVIII com a reconfiguração social da família, “a infância foi eleita como uma etapa
específica e fundamental do desenvolvimento humano, demarcada por técnicas e
aparatos educacionais específicos.” (SILVEIRA, 2015, p. 60) A família é uma
célula social responsável por garantir cuidados especiais, e a escola é a
instituição de socialização e preparação da criança para a vida adulta. Esse
processo ao longo dos séculos XIX e XX produziu um conjunto de saberes sobre o
desenvolvimento infantil, formulados pelas disciplinas emergentes como a psicologia, a sociologia e a assistência social. Um grande objeto de discussão
foi sobre as famílias pobres, que não têm condições materiais de garantir pleno
desenvolvimento humano de suas crianças, assim suscitou uma questão: Como lida
com a infância pobre? A criança, o jovem e a família pobre tornam-se objetos de
saber do governo, cria-se um aparato institucional em torno destas famílias
para fiscalizar e intervir. Políticas públicas são concebidas para as famílias
mais pobres da sociedade, um novo campo da governamentabilidade é constituído.
No
Brasil, até o final do século XIX as crianças e jovens de famílias pobres em
situação de abandono circunstancial ou voluntário eram encaminhados para instituições
religiosas como os orfanatos. As crianças eram educadas profissionalizadas e se
inseriam nas posições mais baixas do mercado de trabalho. Havia uma disciplina
rígida com o objetivo de transformar o sujeito em um adulto capaz de produzir.
Já no século XX, a partir da década de 1940 o Estado cria o SAM – Serviço de
Assistência ao Menor, que fiscaliza e financia a rede de instituições que
cuidavam das crianças e dos jovens. Em meados da década de 1960 há uma mudança
e altera a política do Estado, assim surge a FUNABEM – Fundo Nacional do
Bem-Estar do Menor, com objetivo de consolidar e coordenar uma política pública
de abrangência nacional. E depois surge o ECA - Estatuto da Criança e do
Adolescente Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (atualizado até a Lei nº
12.796/2013, de 04 de abril de 2013). Percebe-se que as instituições de políticas
públicas voltadas para a infância pobre no Brasil são novas, produzem saberes
científicos sobre o público-alvo, que buscam compreender a delinquência, o
abandono de crianças, os comportamentos dos menores e das famílias.
Esses estudos
apontam que em torno da categoria menor e da noção de menoridade constituiu-se todo
um regime tutelar composto por dispositivos de saber e intervenção, voltado
para o controle disciplinar de crianças e jovens identificados como um problema
governamental, seja por estarem em situação de abandono, seja por representarem
um risco para o bem-estar da sociedade. O Estatuto tem como fundamento primeiro
o paradigma da proteção integral, o que significa que a criança e o adolescente
são considerados sujeitos de direitos que devem ser garantidos, primeiramente,
pelas famílias e, quando essas não cumprem com suas obrigações, pela sociedade
e pelo governo. (SILVEIRA, 2015, p. 62 e 63)
O
ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente protege os direitos humanos
universais, a educação, saúde de qualidade, alimentação adequada, bem-estar
social e psicológico, convivência familiar e comunitária. Proíbe o trabalho
infantil, a exploração e violação sexual de crianças e adolescentes. Este é um
exemplo de como se constitui a partir das reflexões de Foucault a biopolítica e
as formas modernas de governamentabilidade na sociedade brasileira.
Referências:
FOUCAULT, Michel: o governo da infância
/ Haroldo de Resende (Organizador) – Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015 –
Coleção Estudos Foucaultianos)
FOUCAULT, Michel. Segurança, território,
população. Curso no College de France (1977-78). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 2008a.
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