Para Montaigne a virtude é mais nobre, do que as tendências à bondade
que nascem em nós. As almas bem autocontroladas por si mesmas e bem-nascidas tem
em suas ações a mesma face das virtuosas. A virtude é maior e mais ativa do que
se deixar conduzir tranquila e pacificamente pela razão, fruto de um bom
temperamento. Quem tem um caráter naturalmente fácil e suave, e despreza as
ofensas recebidas faz coisa bonita e digna de elogio; mas quem, é picado em
carne viva e indignado por uma ofensa, nutre a razão contra um furioso apetite
de vingança e por fim o controla depois de um grande conflito faz sem dúvida
muito mais. O primeiro age bem, o segundo age virtuosamente; a primeira ação se
chama bondade, a segunda ação se chama virtude. A virtude pressupõe dificuldade e oposição, e só
pode ser exercitada em combate. Para Montaigne Deus é bom, forte, e generoso e justo, mas não
o chamamos de virtuoso. Suas operações são todas naturais e sem esforço. Já
para os filósofos estoicos e epicuristas devemos ir ao encontro da dor, da
necessidade e do desprezo para combatê-los e manter suas almas em boa
disposição, a virtude cresce muito quando é posta à prova. Saturnino diz, “que era coisa muito fácil e muito covarde
agir mal; e que agir bem onde não houvesse perigo era coisa vulgar; mas que
agir bem onde houvesse perigo era o próprio ofício de um homem de virtude”.
O caminho da virtude não é fácil, suave e em leve declive, mas um caminho
áspero e espinhoso, de dificuldades externas contra as quais devemos lutar e dificuldades
internas que lhe são fornecidas pelos apetites desordenados e imperfeições de
nossa condição. A virtude perfeita é reconhecida porque combate e suporta
pacientemente a dor, porque resiste sem se deixar perturbar. Quando se julga
uma ação particular de um homem é preciso considerar várias circunstâncias e o
homem por inteiro que a produziu. O primeiro e mais perfeito grau de
excelência, é quando a virtude se torna um hábito. Segundo Montaigne, “entre os vícios, odeio cruelmente a
crueldade, tanto por natureza como por julgamento, como sendo o extremo de
todos os vícios.” Os que devem combater a volúpia usam de bom grado, para
mostrar que ela é totalmente viciosa e irracional. É preciso ser vigilante para
retesá-la e endurecê-la. Assim fica a pergunta: “Quem não esquece, no meio das delícias, as penas que o amor traz consigo?”
Para Montaigne, “tudo o que, na própria
justiça, vai além da morte simples parece pura crueldade.” O ponto extremo
que a crueldade pode chegar é, “que um
homem mate um homem, sem cólera, sem medo, simplesmente para ver.” As
índoles sanguinárias em relação aos animais atestam uma propensão natural à
crueldade, que se estende aos homens. Em Roma, depois que se acostumaram aos
espetáculos de mortes dos animais, chegaram aos homens e aos gladiadores. A
própria natureza fixou no homem um instinto de desumanidade. Isso mostra a que
nível de crueldade o homem pode chegar sentir prazer em ver a morte de animais
e seres humanos, na forma de espetáculo, entretenimento. É a distorção do belo
e o amor pela vida, pouca coisa tem valor, que valha a pena ser preservada. É a
autodestruição do homem como ser racional, capaz de cometer atos virtuosos. É a
predominância da barbárie, da irracionalidade, um exemplo nos tempos atuais
foram as duas guerras mundiais e os campos de concentrações, com suas torturas
e experiências realizadas com seres humanos. Muito temos que lutar para sermos
realmente virtuosos.
Bibliografia:
DE MONTAIGNE, Michel. Os Ensaios – Uma
Seleção, Organização de M. A. SCREECH, Tradução e notas de ROSA FREIRE D’AGUIAR, Penguin, Companhia das
Letras.
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