A partir de Nietzsche com
os termos origem (Ursprung), proveniência (Herkunft) e emergência (Entstehung) avaliam-se
os vícios e os erros da cultura histórica moderna, perceptíveis na genealogia e
na história. Foucault analisa a constituição da cultura ocidental moderna e
suas verdades. O pensamento de Nietzsche destrói o entendimento e enganos
acerca das causas e dos efeitos da história, que forjou a verdade dos fatos, dos
acontecimentos e das perspectivas tomadas pelos homens. Nietzsche revira os
subterrâneos das afirmações verdadeiras acerca do que somos, fazemos e pensamos.
A verdade,
espécie de erro que tem a seu favor o fato de não poder ser refutada, sem
dúvida porque o longo cozimento da história a tornou inalterável. Friedrich
Nietzsche, A gaia ciência, §265 e §110. (FOUCAULT, 2015, p. 60)
Não há como ignorar as
dificuldades, os impasses, as atividades subterrâneas das lutas e dos embates
que se registram no corpo, o jogo do ganha-se e do perde-se que qualquer ideia,
conceito, noção ou princípio proporciona, a partir da sua história. A
genealogia na história parte em busca do começo, ela quer descobrir na raiz o que
conhecemos e o que somos. A história está registrada no corpo.
O corpo:
superfície de inscrição dos acontecimentos (enquanto a linguagem os marca e as
ideias os dissolvem), lugar de dissociação do Eu (que supõe a quimera de uma
unidade substancial), volume em perpétua pulverização. A genealogia, como
análise da proveniência, está, portanto, no ponto de articulação do corpo com a
história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história e a
história arruinando o corpo. (FOUCAULT, 2015, p. 65)
Pode-se dizer que a história
registrada no corpo é a história da dominação do homem pelo homem, onde se
afirma o poder legitimado pelo discurso, através de leis e regras estabelecem
mecanismos de vigilância e punição. O poder se apropria da educação para passar
sua visão de mundo, sua versão da história, é como se fosse um ritual.
E é por isso
precisamente que em cada momento da história a dominação se fixa em um ritual;
ela impõe obrigações e direitos; ela constitui cuidadosos procedimentos. Ela
estabelece marcas, grava lembranças nas coisas e até nos corpos; ela se torna
responsável pelas dívidas. (FOUCAULT, 2015, p. 68)
A humanidade progride
de forma violenta, pratica suas violências a partir de um sistema de regras e prossegue
de dominação em dominação. É a regra que permite que seja feita a violência. A
violência da dominação, para que possa dobrar aqueles que dominam. E todos nós
somos educados para cumprir regras, a partir de um discurso dito como verdadeiro.
Em si mesmas, as
regras são vazias, violentas, não finalizadas; elas são feitas para servir a
isto ou àquilo; elas podem ser burladas ao sabor da vontade de uns ou de
outros. O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem
tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para pervertê-las,
utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto. (FOUCAULT,
2015, p. 69)
As
regras reativam o jogo da dominação, elas criam um mundo idealizado, sonhado,
faz parte de utopias, as quais são implementadas por um sistema de poder,
formuladas a partir de um discurso dominante. Servem como instrumento de
formulação de políticas educacionais, voltadas para atender a um propósito. A
dominação do homem pelo homem. O homem ao ser educado para cumprir regras torna-se dócil, capaz de ser manipulado pelo discurso, dito como verdadeiro. Este homem age sem consciência, incapaz de refletir sobre seus atos.
O desejo de paz,
a doçura do compromisso, a aceitação tácita da lei, longe de serem a grande
conversão moral ou o útil calculado que deram nascimento à regra, são apenas
seu resultado e propriamente falando sua perversão: “Falta, consciência, o
dever têm sua emergência no direito de obrigação; e em seus começos, como tudo
o que é grande sobre a terra, foi banhado de sangue.” Friedrich Nietzsche, Genealogia
da moral, II, 6. (FOUCAULT, 2015, p. 69)
A
humanidade nos últimos quinhentos anos tem enaltecido os valores humanos, ao colocar
o homem no centro do discurso filosófico, abri mão do conhecimento da metafísica,
enfatiza o avanço técnico-científico. Por uma postura empírica utilitarista,
este mesmo homem cria a sua própria realidade, a qual é moldada pelo desenvolvimento
tecnológico. Mas algo parece que não evoluiu, a sua conduta moral, a mesma
conduta moral que permitiu a realização de duas guerras mundiais no século XX. E
hoje, permite que haja mais de um bilhão de pessoas no mundo passando fome, segundo o Banco
Mundial. A ONU denuncia que 1 de cada 9 pessoas sofrem com a fome no mundo. Ou
seja, qual é a ética fundante da moral do homem contemporâneo? Se for a ética
do sistema econômico vigente, ou seja, do capitalismo na sua versão neoliberal,
o homem está construindo a sua própria catástrofe. Há uma falta de consciência,
do dever a ser cumprido. A terra é banhada com o sangue de
inocentes todos os anos, os subjugados pela imposição do poder dos dominadores. Para termos argumentos
que gerem iniciativas para mudarmos a realidade vigente, é necessário que o
homem olhe para si e vá além, é a recondução do homem para as verdades
metafísicas, que não são de fácil acesso, mas são capazes de produzir um
homem mais humano. Não há futuro para quem não é capaz de construir um futuro
sustentável. A educação das novas gerações é o ponto fixo de apoio para uma
virada antropológica, onde a relação de poder passa a ter uma dinâmica
humanista. É a construção de uma ética da alteridade, fundante de uma moral que
leve o homem a ver no outro o outro. Afirmar o poder legitimado por um discurso
solidário, através de leis e regras que estabelecem mecanismos de vigilância e
punição, voltadas para promover o bem estar social e o desenvolvimento
sustentável. Educar o homem para assumir a verdade, que esteja presente no discurso e na ação prática.
Bibliografia:
FOUCAULT, Michel: Microfísica do poder /
organização, introdução e revisão técnica de Roberto Machado. – 3. ed. – Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2015.