Michel Foucault é um
filósofo que esta em busca da verdade, ele quer conhecer a verdade e um ponto
que ele aborda para chegar à verdade é o poder, pois a verdade está intimamente
ligada ao poder. E a ciência que Michel Foucault escolhe para ser analisada,
suas relações com as estruturas políticas e econômicas da sociedade, é a
psiquiatria, por julgar que seja uma questão mais fácil de ser trabalhada,
porque o perfil epistemológico da psiquiatria é pouco definido, e porque a
prática psiquiátrica está ligada a uma série de instituições, de exigências
econômicas imediatas e de urgências políticas de regulamentações sociais.
Foulcault aproveita a
abertura política para dar continuidade as suas pesquisas no domínio da
penalidade, prisões e disciplinas. Ele analisa o problema da reclusão política
da psiquiatria, o esquadrinhamento disciplinar da sociedade.
Foucault é um filósofo
que funda a teoria da história na descontinuidade. Certas formas de saber
empírico como a biologia, a economia política, a psiquiatria, a medicina etc.,
o ritmo das transformações não obedecia aos esquemas suaves e continuístas de
desenvolvimento que normalmente se admite.
Numa ciência como a medicina, por exemplo, até o fim
do século XVIII, temos um certo tipo de discurso cujas lentas transformações −
25, 30 anos − romperam não somente com as proposições "verdadeiras"
que até então puderam ser formuladas, mas, mais profundamente, com as maneiras
de falar e de ver, com todo o conjunto das práticas que serviam de suporte à
medicina. Não são simplesmente novas descobertas; é um novo "regime"
no discurso e no saber, e isto ocorreu em poucos anos. (FOUCAULT, p.
5)
Ou seja, a verdade
estava por ser descoberta e construída ao longo do tempo histórico. O
importante em tais mudanças não é a sua rapidez e a sua grande amplitude, mas a
modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como
cientificamente verdadeiros. Não é a mudança de conteúdo, nem a alteração na
forma teórica que importa, mas o que deve ser avaliado é o que rege os
enunciados e a forma como estes se regem entre si para constituir um conjunto
de proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de
serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos.
Em suma, problema de regime, de política do
enunciado científico. Neste nível não se trata de saber qual é o poder que age
do exterior sobre a ciência, mas que efeitos de poder circulam entre os
enunciados científicos; qual é seu regime interior de poder; como e por que em
certos momentos ele se modifica de forma global. (FOUCAULT, p.
5)
Para Foucault o que se
deve ter como referência não é o grande modelo da língua e dos signos, mas a
guerra e a batalha. A história da humanidade é belicosa e não linguística,
existe uma relação de poder e não uma relação de sentido. A história deve ser
analisada em seus menores detalhes, segundo a inteligibilidade das lutas, das
estratégias, das táticas.
Nem a dialética (como lógica de contradição), nem a
semiótica (como estrutura da comunicação) não poderiam dar conta do que é a
inteligibilidade intrínseca dos confrontos. (FOUCAULT, p. 6)
Segundo Alexandre
Fontana, Michel Foucault foi o primeiro a colocar no discurso a questão do
poder, em contra partida da analise do conceito do texto, pelo texto com a
metodologia que o acompanha, isto é, a semiologia, o estruturalismo etc.
Em termos políticos
Foucault fala sobre o poder ampliando a discussão, pois a direita somente
colocava os termos de constituição, de soberania, etc., portanto em termos
jurídicos; a esquerda o marxismo, em termos de aparelho do Estado. Ninguém se
preocupava com a forma como o poder é exercido concretamente e em detalhe, com
sua especificidade, suas técnicas e suas táticas.
Contentava−se em denunciá−lo no "outro",
no adversário, de uma maneira ao mesmo tempo polêmica e global: o poder no
socialismo soviético era chamado por seus adversários de totalitarismo; no
capitalismo ocidental, era denunciado pelos marxistas como dominação de classe;
mas a mecânica do poder nunca era analisada. (FOUCAULT, p. 7)
A partir de 1968 foi
possível fazer uma análise das relações de poder mais detalhadas, a partir das
lutas cotidianas e realizadas na base com aqueles que tinham que se debater nas
malhas mais finas da rede do poder.
Foi aí que apareceu a concretude do poder e ao mesmo
tempo a fecundidade possível destas análises do poder, que tinham como objetivo
dar conta destas coisas que até então tinham ficado à margem do campo da
análise política.
(FOUCAULT, p. 7)
Um exemplo é, se
olharmos apenas pelo aspecto econômico, o simples internamento psiquiátrico, a
normalização mental dos indivíduos, as instituições penais têm uma importância
limitada, mas analisarmos o funcionamento geral das engrenagens do poder
existentes nesses processos, os procedimentos tornam-se essenciais, de
relevante importância para estudar as relações de poder e conhecer a verdade.
Para Foucault, o
marxismo e a fenomenologia constituiriam um obstáculo objetivo à formulação das
relações de poder.
Na medida em que é verdade que as pessoas de minha
geração foram alimentadas, quando estudantes, por estas duas formas de análise:
uma que remetia ao sujeito constituinte e a outra que remetia ao econômico em
última instância; à ideologia e ao jogo das superestruturas e das infraestruturas.
(FOUCAULT,
p. 7)
A metodologia utilizada
por Foucault é a abordagem genealógica, que é a forma histórica que dê conta da
constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios do objeto, etc., sem ter
que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com relação ao campo de
acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história. É
uma análise da trama histórica, busca-se ver como os problemas são resolvidos.
Livra-se do sujeito constituído, e chega-se a uma análise da constituição do sujeito
na trama histórica.
Para Foucault a fenomenologia
marxista apresenta dois obstáculos conceituais: ideologia e repressão. A
ideologia apresenta três razões: A primeira, “está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade.” A
segunda, “refere−se necessariamente a
alguma coisa como o sujeito.” E terceiro, “está em posição secundária com relação a alguma coisa que deve
funcionar para ela como infraestrutura ou determinação econômica, material,
etc.” Já a repressão, “quando se
define os efeitos do poder pela repressão, tem−se uma concepção puramente
jurídica deste mesmo poder; identifica−se o poder a uma lei que diz não.” Ao
se falar sobre o poder, há muito mais a dizer, existe um discurso que permeia
todo o corpo social.
O que faz com que o poder se mantenha e que seja
aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que
de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve−se considerá−lo como uma rede produtiva que atravessa todo o
corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função
reprimir.
(FOUCAULT, p. 8)
Foucault define o papel
do intelectual, aquele que irá denunciar a verdade que se apresenta, irá questionar
o modelo vigente.
Durante muito tempo o intelectual dito "de
esquerda" tomou a palavra e viu reconhecido o seu direito de falar
enquanto dono de verdade e de justiça. As pessoas o ouviam, ou ele pretendia se
fazer ouvir como representante do universal. Ser intelectual era um pouco ser a
consciência de todos.
(FOUCAULT, p. 8)
Segundo Foucault, há
muitos anos que não se pede que o intelectual desempenhe esse tradicional
papel. Existe um novo modo, uma ligação entre a teoria e prática. Os
intelectuais já não se trabalham no universal, no exemplar, no justo e
verdadeiro para todos, mas trabalha em setores determinados, em pontos precisos
que se situam, nas condições de trabalho, condições de vida (a moradia, o
hospital, o asilo, o laboratório, a universidade, as relações familiares ou
sexuais). Com isso ganharam uma consciência muito mais concreta e imediata das
lutas. Conhecem problemas específicos, “não universais”, diferentes daqueles do
proletariado ou das massas. Assim Foucault define e diferencia o de intelectual
“específico” por oposição ao intelectual “universal”.
Esta figura nova tem uma outra significação
política: permitiu senão soldar, pelo menos rearticular categorias bastante
vizinhas, até então separadas. O intelectual era por excelência o escritor:
consciência universal, sujeito livre, opunha−se àqueles que eram apenas
competências a serviço do Estado ou do Capital (engenheiros, magistrados,
professores). Do momento em que a politização se realiza a partir da atividade
específica de cada um, o limiar da escritura como marca sacralizante do
intelectual desaparece, e então podem se produzir ligações transversais de
saber para saber, de um ponto de politização para um outro. Assim, os
magistrados e os psiquiatras, os médicos e os assistentes sociais. os
trabalhadores de laboratório e os sociólogos podem, em seu próprio lugar e por
meio de intercâmbios e de articulações, participar de uma politização global
dos intelectuais. Este processo explica por que, o escritor tende a desaparecer
como figura de proa, o professor e a universidade aparecem, talvez não como
elementos principais, mas como “permutadores”, pontos de cruzamento
privilegiados.
(FOUCAULT, p. 9)
Com o desenvolvimento
das estruturas técnico-científicas na sociedade contemporânea, há uma
valorização do intelectual específico. A sua atividade encontra obstáculos e se
expõe a perigos. Mas existe o risco da manipulação por partidos políticos ou
aparelhos sindicais que dirigem as lutas locais, e principalmente a falta de
uma estratégia global e apoios externos. Assim o intelectual específico pode
não ser seguido, e se for seguido, ser somente por grupos muito limitados. Mas
mesmo assim, o papel do intelectual específico torna-se cada vez mais
importante, ele é obrigado a assumir reponsabilidades políticas, seja físico
atômico, geneticista, informático, farmacologista, etc. A busca será da verdade,
que de uma forma ou de outra está relacionada com o poder, a política é o campo
de batalha.
O importante, creio, é que a verdade não existe fora
do poder ou sem poder. A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade: isto é,
os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto
daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, p. 10)
A verdade é uma
construção histórica social, esta diretamente ligada ao poder, uma produção dos
efeitos de poder, expressa por uma política geral de cada sociedade, através
dos discursos daqueles que dizem o que funciona como verdadeiro.
Em nossas sociedades, a "economia
política" da verdade tem cinco características historicamente importantes:
a "verdade" é centrada na forma do discurso científico e nas
instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica
e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica, quanto para
o poder político); é objeto, de várias formas, de uma imensa difusão e de um
imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja
extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas
limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo,
mas dominante, de alguns grandes aparelhos políticos ou econômicos
(universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de
debate político e de confronto social (as lutas "ideológicas"). (FOUCAULT, p. 11)
Existe a forma do
discurso científico e as instituições que produzem a verdade, e submete esta
verdade aos interesses econômicos e políticos, transmitindo por toda a
sociedade, como forma de exercer o poder. Segundo Foucault, a verdade é o “conjunto das regras segundo as quais se
distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos
de poder”.
O intelectual deve
buscar saber se é possível construir uma política da verdade. Para mudar o
regime político, econômico, institucional de produção da verdade. Desvincular o
poder da verdade das formas de hegemonia (sociais, econômicas, culturais) no
interior das quais ela funciona no momento. A questão política não é o erro, a
ilusão, a consciência alienada ou a ideologia; é a própria verdade. Com a
verdade se constrói o poder.
Imersos no mundo contemporâneo,
dominado pela ciência e tecnologia, não há como nos desvencilharmos da verdade construída
na forma de discurso, aparelhado pelo poder econômico político vigente. A
verdade está na forma como se materializa o poder dominante, que não é uma única
verdade, mas a verdade até então construída. Cabe ao intelectual elaborar as
questões e questionar a verdade vigente na forma de poder. Não existe um único
caminho para a sociedade, mas inúmeras opções, deve-se escolher a opção que
torne a sociedade mais justa e feliz.